quinta-feira, 29 de março de 2018

Bonecos e Artesãos de Estremoz


António Simões (Professor e Poeta)


Bonecos e Artesãos de Estremoz

Bonecos de Estremoz são
Em sua policromia,
Toda a verdade e beleza
Da humana natureza,
Que os sonha, modela e cria.

Artesã ou artesão,
É com vossa dextra mão
Que moldais habilmente,
Bonecos de tanta gente,
De quem no campo labuta,
Vende castanhas ou fruta
Ou pastoreie o rebanho;
Faça aquilo que fizer,
Seja d’homem ou mulher,
É igual o seu tamanho.

‘inda há pouco o próprio mundo,
Em gesto nobre e profundo,
Para honra de Portugal,
Foi dar alto galardão
A estes bonecos que são
Fruto da vossa arte;
Para cumprir a minha parte,
Ao escrever este meu fado,
Ao fadista que me cante,
Aqui deixo neste instante
O meu muito obrigado.

António Simões

segunda-feira, 26 de março de 2018

Paulo Varela e as suas “Memórias a carvão”


 Um aspecto da Exposição. Fotografia de Maria Miguéns.

“Memórias a carvão” é o título da mais recente exposição de Paulo Varela, inaugurada no passado dia 11 de Março, no Salão da União de Freguesias de Estremoz (Santa Maria e Santo André) e ali estará patente ao público até ao próximo dia 30 de Abril.

A Exposição de iniciativa da Junta de Freguesia, reúne 40 desenhos a carvão de Paulo Varela, que em 2007 integraram a Exposição “DESENHOS DE PAULO VARELA”, organizada pela Associação Filatélica Alentejana na Sala de Exposições do Centro Cultural Dr. Marques Crespo e que ali puderam ser apreciados pelo público, entre 26 de Julho e 10 de Setembro desse ano. Do catálogo desta Exposição, transcrevo de seguida, o que então escrevi.

Notas Biográficas sobre Paulo Varela
Paulo Rovisco Ferreira Varela, nasceu a 10 de Agosto de 1947 na freguesia de Casa Branca, concelho de Sousel. Fez a instrução primária na sua terra natal e frequentou o Curso Industrial na Escola Industrial e Comercial de Estremoz. Aqui teve como professor de Desenho, o artista plástico Espiga Pinto, que muito o considerava como aluno e que o admitia no seu atelier situado ao Pelourinho, onde passava horas a fio, a ver o professor pintar. Por isso Espiga Pinto é para si uma referência.
Aprendeu o ofício de relojoeiro com o pai, na Casa Branca e aos 17 anos foi para Lisboa, especializar-se como ourives, não só para poder efectuar concertos, como também fabricar jóias.
Aos vinte anos estabeleceu-se por sua conta em Camarate, no concelho de Loures e durante cerca de 30 anos aí trabalhou, tendo vindo para Estremoz em 1990, onde se manteve no ramo, abrindo loja no Rossio Marquês de Pombal, número cinco.
É casado e pai de três filhas.
Durante todos estes anos tem-se dedicado à vida profissional e só no início de Fevereiro de 2007, num dia de Inverno e muito chuvoso, pensou em desenterrar um bichinho que tinha dentro de si e que é o Desenho, pois desde os 18 anos que nunca mais tinha desenhado. A partir daí as coisas foram acontecendo naturalmente: a descoberta dos materiais, desde os papéis aos lápis e ao carvão, bem como a descoberta da técnica de os utilizar.
Os desenhos que faz não resultam da observação de nada, são fruto do seu imaginário ou resultado de memórias de infância que tem gravadas dentro de si. São paisagens, são monumentos quiméricos, são cenas da vida agro-pastoril até aos anos sessenta, tal como lhe foi dado observar durante a infância e a juventude na sua terra natal. Não há dois desenhos iguais e através deles é possível perceber a evolução técnica que foi experimentando. Os seus desenhos têm sido muito apreciados por pessoas e amigos que com ele contactam ou convivem no dia a dia e o estimularam a disponibilizar um conjunto representativo dos seus trabalhos, de modo a que eles viessem a público para que outros pudessem partilhar a mensagem que os mesmos nos querem transmitir.
Tiveram um papel determinante na decisão de expor, o autor destas linhas e a professora Marilisa Crespo, que organizaram a Exposição, para o que foi escolhido o Salão de Exposições do Centro Cultural Dr. Marques Crespo, uma sala de visitas da cidade, para receber de braços abertos, os apreciados trabalhos deste artista "naif, filho adoptivo de Estremoz.

Cronista do E, crítico de arte e tudo
(Texto publicado no jornal E nº 196, de 22-03-2018) 

sexta-feira, 23 de março de 2018

Valha-nos a Rainha Santa!


1 - Um aspecto do acesso à Capela da Rainha Santa Isabel após os gradeamentos
oitocentistas das janelas laterais terem sido visados pela cobiça de amigos do
alheio. Fotografia de Catarina Matos. Arquivo do autor.

Saiu gorada a tentativa de roubo do gradeamento das janelas que ladeiam o portão de acesso à Capela da Rainha Santa, junto à Torre da Menagem do Castelo de Estremoz.
O que aconteceu?
Ao início da tarde da passada sexta-feira, dia 9 de Março, data em que se abateu um forte temporal sobre a cidade, alguém sentiu um enorme estrondo devido à queda do gradeamento da janela do lado esquerdo, pelo que foi imediatamente alertar o Director do Museu Municipal.
Chegado ao local, este deu conta da remoção dos parafusos utilizados na fixação do gradeamento às ombreiras de mármore daquelas janelas. Só em baixo é que um parafuso fixava os gradeamentos, pelo que a intempérie se encarregou de derrubar um deles. Tornou-se evidente que alguém, aproveitando-se do facto de o Largo D. Dinis ser desabitado, retirou os parafusos, com o fito de furtar os gradeamentos e os carregar pela calada da noite.
Alertado o Director do Museu Municipal, o mesmo contactou os competentes Serviços do Município, que imediatamente removeram os gradeamentos do local e os transferiram para a Igreja Matriz de Santa Maria do Castelo, onde ficaram à guarda da mesma.
E agora?
Um responsável do Município terá declarado que os gradeamentos seriam repostos no local onde se encontravam, assim que estejam reunidas condições que permitam chumbar as grades nas ombreiras, visando impedir a repetição da ocorrência.
De salientar que a ferrugem grassa pelos gradeamentos e pelo portão, pelo que seria desejável que após aquela reposição, fosse removida a ferrugem, aplicado um aparelho e dada uma nova pintura naquele conjunto todo.
Alguma História da Capela
Pertenceu à Rainha Dona Luísa de Gusmão (1613-1666), mulher de El-Rei D. João IV (1604-1856), a ideia de adaptar a Capela, os supostos aposentos da Rainha Santa no Castelo de Estremoz, em acção de graças pela vitória do exército português sobre o exército espanhol, na batalha das Linhas de Elvas, travada a 14 de Janeiro de 1689. A Capela que ficou a cargo da Congregação do Oratório de São Filipe Néri, encontrou em El-Rei D. João V (1689-1750) um mecenas e foi sob a sua égide que se concluíram as obras da Capela em 1706. Foi este Rei, descendente em linha directa da Rainha Santa Isabel, que ofereceu à Capela a imagem em madeira policromada e que a seus pés orou, quando visitou a Capela com a sua esposa, D. Mariana de Áustria (1683-1754), em 30 de Janeiro de 1729.
Durante a 1ª Invasão Francesa, os oratorianos retiraram da Capela a Imagem da Rainha Santa, a qual esconderam no Convento dos Congregados, protegendo-a assim do saque dos franceses. Após a retirada destes, em 29 de Outubro de 1808, teve lugar uma solene procissão que com pompa e circunstância trasladou através das ruas da vila, a sacrossanta imagem da Padroeira até à sua Capela no Castelo.
De acordo com Túlio Espanca o terreiro de acesso à Capela, lageado com placas de mármore, “… outrora público, foi fechado no tempo de D. João VI (1767-1826), pelo subsistente portão neoclássico, de mármores regionais, do tipo apilastrado, com empenas interrompidas, sobrepujadas de fogaréus estilizados: grade férrea, de barrinha, elegantemente compostas pelas armas reais e o cronograma de 1825.”
Centro Histórico a saque
O Largo de Dom Dinis é o coração do núcleo do Centro Histórico de Estremoz. Ali nasceu o burgo ao qual os Reis de Portugal se dignaram conceder a distinção de ser designada por “Notável Vila de Estremoz” e que seria elevada à categoria de cidade em 1926.
Ali foram escritas inúmeras páginas da nossa História local, em relação íntima com a nossa identidade cultural de estremocenses. Trata-se assim dum local que deve merecer atenção especial por parte do Município, que continua a afirmar pretender candidatar a cidade a Património Cultural da Humanidade. Não percebemos é como, sobretudo depois de a EDP ter maculado a alvura das paredes com toda aquela execrável cablagem negra, transportadora de sinal eléctrico, mas que simultaneamente perturba e polui visualmente o local, ao introduzir ruído na leitura e interpretação espaço-temporal da Estremoz medieval.
O crime que ali foi cometido não devia ficar impune. Assim o desejam as pessoas de bem, entre as quais eu me situo.
António Mexia, na qualidade de Presidente da EDP aufere um vencimento superior a 6.800 euros por dia, mas isso não confere à EDP o direito de ser dona disto tudo e fazer o que lhe dá mais jeito.
Inverter a situação
A edilidade que sufragada pelo voto popular gere o Município, pretende candidatar a cidade a Património Cultural da Humanidade. Como tal, não pode ser cúmplice do atentado que aqui denuncio, pelo que só lhe resta uma coisa a fazer. Accionar os mecanismos adequados para que a EDP retire dali toda aquela cablagem e a faça passar pelo sub-solo. Levantando a calçada, pois claro!. Se tal não se vier a verificar, é legítimo concluir que afinal o crime compensa e o Centro Histórico está a saque.
Reforço da segurança
Os amigos do alheio poderiam não existir, mas um facto é que os há.
O Largo de Dom Dinis podia ser habitado, mas não o é.
A zona podia ser mais segura, mas tal não se verifica.
Que fazer então?
Em primeiro lugar, promover a reabilitação integral das moradias populares dos bairros do Castelo e de Santiago, gerando uma dinâmica que se traduza na fixação de moradores. Até isso ser feito, deve ser reforçada a segurança da zona. Em particular, no Largo de D. Dinis pode ser aumentada a vigilância policial e implementado um sistema de vídeo vigilância, acções que se podem complementar. Por ali, a necessidade de segurança de pessoas e bens merece isso. De contrário, só nos resta suplicar:
- VALHA-NOS A RAINHA SANTA! 
Cronista do E, defensor do património e tudo.
(Texto publicado no jornal E nº 196, de 22-03-2018) 
NOTA - O jornal E chegou às bancas no dia 22 às 9 horas e os trabalhadores do Município repuseram o gradeamento nesse mesmo dia, cerca das 14 horas. Agora falta o resto.
  

 2 - Estremoz. Imagem da Rainha Santa Isabel quando ainda se encontrava na sua
Capela. A escadaria que dava acesso ao púlpito e que se vê à direita, também já
não existe actualmente. Fotografia de Foto Tony, cerca dos anos 60 do século XX.
Arquivo do autor.

 3 - O Dr. Marcelo Caetano (1906-1980), 1º Ministro de Portugal (1968-1975) à saída
da Capela da Rainha Santa Isabel no decurso duma visita oficial a Estremoz, ocorrida
no fim-de-semana 19-20 de Dezembro de 1970. À sua esquerda, o Dr. Luís Pascoal
Rosado (1922-1971), Presidente da Câmara Municipal de Estremoz (1961-1971). Ao
fundo, são visíveis dum lado e outro do portão, os gradeamentos datados de 1825 e
que recentemente foram alvo de uma tentativa de furto. Fotografia de Rogério de
Carvalho (1915-1988). Arquivo do autor.

 4 - No período 1967-1970 em que decorreram as obras de adaptação do Castelo de
Estremoz a Pousada da Rainha Santa Isabel, os gradeamentos das janelas que ladeiam
o portão de acesso à Capela da Rainha Santa Isabel estiveram protegidos exteriormente
por uma parede de alvenaria. Fotografia de Foto Tony, dos finais dos anos 60 do séc. XX.
Arquivo do autor.

5 - Estremoz. Rainha Santa Isabel, Padroeira de Estremoz. Fotomontagem mostrando
a Rainha Santa pairando sobre a cidade, numa nítida alegoria a ser sua Protectora.
Fotografia de Foto Tony, cerca dos anos 60 do século XX. Arquivo do autor.

quarta-feira, 14 de março de 2018

Estremoz - Rua 31 de Janeiro


1 - RUA DE SANTA CATARINA (1891) – Ao fundo ainda não existe a Fonte do Hospital
Real de São João de Deus. Os candeeiros da iluminação pública estão implantados
nas paredes dos prédios. Fotografia de C. J. Walowski (1891).

Estudo de toponímia local

 “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, / Muda-se o ser, muda-se a confiança: / Todo o mundo é composto de mudança, Tomando sempre novas qualidades.” (Camões). É assim que os topónimos identificadores das ruas são modificados no decurso do tempo. A presente crónica procura trazer à luz do dia, as razões históricas que estiveram na origem das alterações sucessivas dum topónimo estremocense, conhecido actualmente como Rua 31 de Janeiro.
Guerra da Restauração
Em 1580 ocorreu a ocupação filipina de Portugal, tendo o nosso país vivido sob o domínio espanhol até à Restauração da Independência em 1 de Dezembro de 1640. Nesta data ocorreu em Lisboa um golpe de estado revolucionário que se propagou a todo reino e levou à aclamação de D. João IV como rei de Portugal. A partir daquela data, Portugal travou com Espanha a chamada Guerra da Restauração. Esta só terminaria a 13 de Fevereiro de 1668 com a assinatura do Tratado de Lisboa entre Afonso VI de Portugal e Carlos II de Espanha, no qual é reconhecida a total independência de Portugal.
No decurso da Guerra da Restauração houve necessidade de defender o reino da ofensiva espanhola, mormente em localidades fronteiriças, as quais tiveram que ser fortificadas. Foi o que aconteceu em Estremoz que ganhou importância na contextura militar nacional, uma vez que funcionava como 2ª linha de defesa do território, sobretudo em termos logísticos, já que armazenava armas e mantimentos e aquartelava tropas.
Foi D. João IV que em 1642 ordenou ao engenheiro militar holandês João Pascácio Cosmander, o traçado da futura muralha poligonal abaluartada que cinge o centro histórico num perímetro com mais de 5 Km, cuja maior parte ainda hoje existe. Após a morte de Cosmander em 1648, foi o engenheiro-militar francês Nicolau de Langres, que a partir de 1662 foi encarregue das obras que terminaram em 1671, sob a direcção de Luís Serrão Pimentel, engenheiro-mor do exército. As portas monumentais da muralha só foram concluídas entre 1676 e 1680. Uma dessas portas que ainda hoje estabelece comunicação com as estradas para Sousel-Fronteira e Veiros-Monforte-Portalegre, é a Porta de Santa Catarina, que inclui um nicho de devoção à padroeira, Santa Catarina de Alexandria. Em termos toponímicos e na perspectiva da época seria natural designar por Rua de Santa Catarina a rua que até ao Hospital Real de São João de Deus dava acesso aquela porta, o que veio a acontecer. A partir do Hospital e até à porta a designação toponímica recebida pelo arruamento foi a de Largo de Santa Catarina.
Proclamação da República
A 5 de Outubro de 1910 ocorre o derrube da Monarquia, fruto da acção doutrinária e política do Partido Republicano Português, criado em 1876 e cujo objectivo essencial foi desde o princípio, a substituição do regime. As questões ideológicas não eram primordiais na estratégia dos republicanos, uma vez que para a maioria dos seus simpatizantes, bastava ser contra a Monarquia, a Igreja e a corrupção política dos partidos tradicionais.
Na noite de 3 para 4 de Outubro de 1910, eclodiu em Lisboa um Movimento Revolucionário impulsionado pelo Partido Republicano e apoiado pela Marinha de Guerra e por forças do Exército. Após dois dias de combate, o Movimento Revolucionário triunfa e a República é proclamada na manhã de 5 de Outubro das janelas da Câmara Municipal de Lisboa e é constituído imediatamente um Governo Provisório, presidido pelo Dr. Teófilo Braga, que assume como tarefa fundamental uma mudança radical nas instituições vigentes.
Com a queda da Monarquia a 5 de Outubro de 1910, há uma mudança de paradigma. Uma Monarquia com oito séculos é substituída por uma República que tomou o poder nas ruas de Lisboa e depois de o proclamar às varandas da Câmara Municipal, o transmitiu para a província à velocidade do telégrafo.
Em Estremoz quem recebeu o telegrama do Ministro do Interior António José de Almeida anunciando a proclamação da República em Lisboa, foi o empresário João Francisco Carreço Simões (1893-1954) seu amigo pessoal e igualmente membro do Partido Republicano. Seria ele a proclamar a República no dia 6 de Outubro de uma sacada da Câmara Municipal de Estremoz, da qual viria a ser Vice-Presidente.
Na sequência da revolução republicana de 5 de Outubro de 1910, as instituições e símbolos monárquicos (Rei, Cortes, Bandeira Monárquica e Hino da Carta) são proscritos e substituídos pelas instituições e símbolos republicanos (Presidente da República, Congresso da República, Bandeira Republicana e A Portuguesa), o mesmo se passando com a moeda, as fórmulas de franquia postais e os topónimos.
A 1ª República decretou em 1911 uma “Lei de Separação da Igreja do Estado”, de acordo com a qual a religião católica apostólica romana deixou de ser a religião do Estado, cuja laicidade passou a ser defendida. A influência secular da Igreja Católica fazia-se sentir mesmo a nível de toponímia, pelo que os republicanos entenderam que a mesma deveria ser laicizada. Daí que em Estremoz, a Rua de Santa Catarina tenha sido rebaptizada laicamente como Rua 31 de Janeiro, em memória de um marco importante na luta pela implantação da República, que foi a Revolta de 31 de Janeiro de 1891, primeiro movimento revolucionário que teve por objectivo a implantação do regime republicano em Portugal.
Aquela revolta eclodiu ao início da madrugada no Porto, cidade onde foi proclamada a República, na varanda da Câmara Municipal. A revolta surgiu como reacção às cedências do Governo (e da Coroa) ao ultimato britânico de 1890 por causa do Mapa Cor-de-Rosa, que pretendia ligar, por terra, Angola a Moçambique. Cerca das 10 horas da manhã, os revoltosos são forçados a render-se, atingidos pela fuzilaria e pela artilharia da Guarda Municipal. A Revolta saldou-se por 12 mortos e 40 feridos entre os revoltosos civis e militares, os quais foram julgados e condenados em Conselhos de Guerra realizados a bordo de navios, ao largo de Leixões.
28 de Maio
Desde os primórdios que a I República Portuguesa deu indícios de fragilidade. Num período de 16 anos, que findou a 28 de Maio de 1926, a I República Portuguesa teve 7 Parlamentos, 8 Presidentes da República, 39 Governos, 40 Chefes de Governo, uma Junta Constitucional e uma Junta Revolucionária. O clima era de instabilidade e o país encontrava-se permanentemente à beira da guerra civil.
A de 28 de Maio de 1926 ocorreu um pronunciamento militar de cunho nacionalista e antiparlamentar, que derrubou a I República Portuguesa e implantou uma Ditadura Militar, que eufemisticamente se viria a autodenominar Ditadura Nacional. Após a aprovação da Constituição de 1933, a Ditadura Nacional rebaptizou-se com a designação de Estado Novo, regime autoritário de partido único, chefiado sucessivamente por Oliveira Salazar e por Marcelo Caetano, que se manteve no poder até 25 de Abril de 1974.
A necessidade de apagar todos os vestígios locais de republicanismo e de num acto de vassalagem homenagear o então “Dono disto tudo”, terão estado na origem dos responsáveis municipais de então, terem travestido a Rua 31 de Janeiro em Rua Dr. Oliveira Salazar.
25 de Abril
O derrube da ditadura mais velha da Europa – o regime de Salazar e de Caetano - foi conseguido em 25 de Abril de 1974, graças à acção militar coordenada do Movimento das Forças Armadas – MFA, cuja origem remonta ao clima de instabilidade no interior das próprias Forças Armadas.
Um Esquadrão do RC3, comandado pelo Capitão Andrade Moura, tendo como adjunto o Capitão Alberto Ferreira e com a participação do 1º Sargento Francisco Brás, teve papel determinante no desfecho dos acontecimentos do 25 de Abril de 1974, em Lisboa. Daí que à sua chegada a Estremoz no dia 27 de Abril, tenha sido objecto de honras militares e de aclamação popular, junto ao quartel do Regimento. Foi o reconhecimento local e possível pela liberdade reconquistada.
Logo a seguir ao 25 de Abril, opositores ao regime reuniram-se numa casa da rua do Mau Foro, vulgo Rua Alexandre Herculano. Ali funcionaria mais tarde a primeira sede do PS. Tinha sido ali a sede do Círculo Cultural de Estremoz, associação cultural de antes de Abril, no tempo do Dr. Luís Pascoal Rosado e cuja história está ainda por fazer. Era propriedade dos irmãos José e Afonso Costa. Ali se preparou o primeiro 1º de Maio. Eu e o meu pai estávamos lá. O camarada Binadade Velez, comunista da clandestinidade e que já estivera preso, levava uma lista de ruas com nomes ligados ao fascismo, as quais entendia ser preciso mudar. Uma delas era a Rua Dr. Oliveira Salazar, o que logo ali teve o acordo de todos. E foi assim que um topónimo, associado a um ditador de tão triste memória, entrou na rampa de lançamento para ser banido do nosso quotidiano diário, o que veio a ser concretizado pelo poder municipal, democraticamente legitimado. E foi assim que a rua foi rebaptizada laica e republicanamente com a sua designação anterior: Rua 31 de Janeiro. E viva a Liberdade!
Cronista do E, toponomista, republicano e tudo.
(Texto publicado no jornal E nº 195, de 08-03-2018) 

2 - RUA DE SANTA CATARINA (Entre 1901 e 1909) – Ao fundo é visível a Fonte do Hospital
Real de São João de Deus. Esta fonte foi mandada construir pela Câmara de 1834, no
muro contíguo à ermida de São Brás e a edilidade de 1901 ordenou que fosse removida
para o local onde ainda hoje se encontra. Os candeeiros da iluminação pública estão
agora implantados nos passeios. Em segundo plano do lado direito é visível um típico
carro  de canudo alentejano e na frontaria do prédio contíguo é perceptível  um letreiro
que parece dizer “HOTEL GRADE”. Entre as crianças que brincam na rua, uma delas que
está agachada, parece estar a aparar um pião. A imagem é de um bilhete-postal ilustrado,
edição MALVA (Lisboa nº 697). No verso a data do carimbo de expedição dos correios é de 1909.

3 - RUA DE SANTA CATARINA (Entre 1901 e 1909). A legenda do bilhete-postal ilustrado
é “ESTREMOZ – Rua de Santa Catarina, (hoje Rua 31 de Janeiro). A imagem ainda que
colorida  é a mesma da figura 2. A edição deste bilhete-postal ilustrado, de editor não
identificado, terá ocorrido entre 1910 e 1915, já que esta é a data de circulação mais
antiga que eu tenho num bilhete-postal ilustrado desta série.

3 - RUA DE SANTA CATARINA (Entre 1901 e 1909). A legenda do bilhete-postal ilustrado
é “ESTREMOZ – Rua de Santa Catarina, (hoje Rua 31 de Janeiro). A imagem ainda que
colorida  é a mesma da figura 2. A edição deste bilhete-postal ilustrado, de editor não
identificado, terá ocorrido entre 1910 e 1915, já que esta é a data de circulação mais
antiga que eu tenho num bilhete-postal ilustrado desta série.

5 - RUA DR. OLIVEIRA SALAZAR (Anos 60 do séc. XX). Fonte do Hospital Real de São
João de Deus. Bilhete-postal ilustrado editado por FOTO TONY.

segunda-feira, 12 de março de 2018

À mesa com o Franco-atirador


A Meca, alvo das peregrinações gastronómicas do Franco-atirador:
Restaurante “Kimbo”, na Rua 31 de Janeiro, em Estremoz.

O prazer de comer
Sou publicamente conhecido pelo exercício continuado da crítica social, direito cívico e democrático do qual não abdico. Daí que alguns, porventura despeitados, me apodem de “má-língua”. Trata-se de um vitupério, duplamente falso. Em primeiro lugar, porque como traço de carácter, sou incapaz de enganar os outros e “vender gato por lebre”, como alguns persistem em fazer. Em segundo lugar, porque as minhas dotadas papilas gustativas, superiormente protegidas pelo palato, me transmitem por via neuronal, o seu parecer incontestável sobre aquilo que, visando retemperar as forças, devo ou não consumir às refeições.
Comer, não é um mero acto de sobrevivência. É também o exercício de uma filosofia hedonista, que transfigura o próprio acto de comer e está na génese de uma mudança de paradigma, o salto qualitativo entre dois patamares distintos: a necessidade de comer e o prazer de comer. Que o diga a Fátima, minha companheira, com a qual casei há 35 anos e que assumiu a espinhosa missão de me tratar da alma e do corpo, muito em especial da barriga.
A Fátima é excelente cozinheira e regala-me os sentidos com os petiscos que confecciona. Pese, embora essa condição, de vez em quando vamos almoçar ou jantar fora, já que na perspectiva da cozinheira, a qual eu também perfilho, “enquanto o pau vai e vem, folgam as costas”. 
As idas ao “Kimbo”
Um restaurante que nos habitámos a frequentar foi o “Kimbo”, na Rua 31 de Janeiro, em Estremoz. Ali, o manda-chuva é o João, patrão daquilo tudo e uma espécie de homem dos sete ofícios. À sua condição de patrão, acrescem as de cozinheiro exímio, chefe de sala, chefe de vinhos e empregado de mesa. A Paula, sua cara-metade, dá-lhe o apoio necessário. Na cozinha reina a “chef” Manuela, secundada pela Fátima, não a minha, mas igualmente Fátima.
A Ementa
A Ementa contempla entradas, omeletas, pratos regionais, carnes e peixes grelhados ou fritos, especialidades da casa, doces e frutas variadas. As doses são bem aviadas e é excelente a relação qualidade - preço.
Os pratos do dia variam ao longo da semana e deles destaco a nível de peixes: massada de peixe, bacalhau com espinafres, bacalhau com puré de grão, bacalhau torricado, caldeirada de lulas, lulas à espanhola, lulas grelhadas, polvo com broa e polvo à lagareiro. Quanto a carnes, saliento: borrego à lagareiro, caldeirada de borrego, espetada de peito de frango com ananás, pato no forno com laranja, rancho à portuguesa e sopa de pedra.
Livro de reclamações
A frequência do “Kimbo” agradou-me desde a primeira hora. Daí que certa vez, quando o João me perguntou no final:
- Então que tal, Professor?
A minha resposta não o podia ter surpreendido mais:
- Traga-me o livro de reclamações, se faz favor!
Perguntou-me então:
- Não me diga que hoje não gostou, Professor?
A minha resposta só podia ser uma:
- É claro que adorei como habitualmente, amigo João. Mas onde é que eu posso registar um rasgado e merecido elogio, se não for no livro de reclamações?
E ainda argumentei filosoficamente:
- Então um elogio não é uma reclamação negativa ou seja uma ausência de reclamação?
A resposta do João foi imediata:
- Vai desculpar Professor, mas o livro oficial de que dispomos é para registar reclamações e não a ausência de reclamações.
Vencido, mas não convencido, ainda rematei:
- Está mal.
E a conversa ficou por ali.    
Livro de elogios
Como não podia deixar de ser, dada a qualidade do serviço prestado, continuei a frequentar o “Kimbo” e a conversa no final ia sempre parar ao mesmo: o pedido do livro de reclamações para registar o meu elogio, o que sempre me era amigavelmente declinado. Até que um dia e perante a minha estupefacção, o João me disse:
- Já que tanto insistiu, acabei por descobrir a existência de um livro de elogios. Vou já buscá-lo.
Acabei por saber tratar-se de um livro não oficial, fruto de um projecto de Cristina Leal, que partiu da constatação do absurdo que era existir um livro de reclamações e não existir um livro de elogios. Daí ter criado um livro onde se pode reconhecer o que é bom e deixar isso registado.
O meu elogio
Naturalmente que se impunha dar conta aqui do meu elogio, com o qual tive o privilégio de inaugurar o livro, em Agosto passado:
“Sou um cliente de excelência. Não da minha excelência, mas do padrão total da excelência do “Kimbo”, que atravessa transversalmente e sempre com 5 estrelas, parâmetros distintos mas complementares: excelente ambiente, elevado padrão de atendimento, resposta rápida da cozinha, a que há que acrescentar o fascínio dos pratos confeccionados sobre os sentidos que têm a ver com a gastronomia (visão, olfacto e paladar). É caso para dizer:
- Obrigado, João e Companhia. Parabéns.
Recomendamos sinceramente a frequência deste restaurante de excelência.”

Hernâni Matos
Cronista do E, gastrónomo. enófilo e tudo.
(Texto publicado no jornal E nº 195, de 08-03-2018)
Publicado inicialmente a 12 de Março de 2018

sexta-feira, 9 de março de 2018

O rato roeu a rolha da garrafa do rei da Rússia


Imagem reproduzida com a devida vénia
de Crescer (https://revistacrescer.globo.com).


À Catarina, minha filha:


É bem conhecido o especial carinho que nutro pelas manifestações orais da cultura popular: cancioneiro, provérbios, gíria, lengalengas, adivinhas, etc. Daí que ninguém estranhe que as procure divulgar de uma forma pedagógica, através da sua integração nos meus escritos. Por isso vos falo hoje dos trava-línguas. Trata-se de frases difíceis de pronunciar como resultado da semelhança sonora das suas sílabas. Daí que sejam utilizados por educadores de infância, visando aperfeiçoar a pronúncia e exercitar a oralidade da língua. Acabam por se tornar numa brincadeira que motiva as crianças e as desafia a reproduzi-los sem errar, o que acontece com frequência, causando risos e alegria. Por fim, acabam por perceber que quanto mais rápido procuram verbalizar, maior é a probabilidade de se enganarem.
Um trava-línguas que tem para mim especial significado é este:
- O rato roeu a rolha da garrafa do rei da Rússia.
A minha filha que hoje tem hoje 32 anos, em miúda pronunciava os "r" como se fosse chinesa. O resultado fonético era este:
- O lato loeu a lolha da galafa do lei da Lúcia.
Então eu repetia tudo de novo e ela pedia-me para repetir também, porque já ia dizer bem. E para meu desespero dizia exactamente a mesmo coisa, sem tirar nem pôr.
 O "r" para ela era "l". Contudo, a vontade que ela tinha de ultrapassar aquela dificuldade que eu lhe apontava, levou a convencer-se que já dizia bem, quando continuava a dizer exactamente a mesma coisa. Mas eu continuei a insistir, até que um dia, saiu cristalino da sua voz doce, o resultado esperado:
- O rato roeu a rolha da garrafa do rei da Rússia.
Foi para mim um raro momento de felicidade, por ela ter conseguido dar um salto dialéctico, só comparável ao que passou quando um dia estava a gatinhar em casa de um amigo meu que já lá está e de repente se pôs em pé, a andar, para nunca mais gatinhar.
São coisas que marcam um homem na vida...



quinta-feira, 8 de março de 2018

Chove em Santa Maria


Estremoz - Igreja Matriz de Santa Maria

Chove que Deus a manda. A chuva tudo molha, inclusive a Casa de Deus (Leia-se Igreja Matriz de Santa Maria no Castelo). Chove em Estremoz, chove no Castelo, chove em Santiago. Só não estamos no filme de HelvioSoto, com Jean-Louis Trintignant e Annie Girardot, datado de 1975. Estamos em Estremoz, onde no Ano de Graça de 2018, os pombos vadios têm livre-trânsito municipal para defecarem onde lhes der na real gana, por tal convir à sua natural necessidade.
Há muitas vítimas de tal monumental e continuada defecação. Desta feita foi o Templo situado no coração do Centro Histórico da cidade. Os telhados povoados pelas necessidades dos columbídeos foram lavados pela chuva abundante e os dejectos escorreram por aí baixo, causando entupimentos, que fizeram com que chovesse no interior da Casa de Deus. Eu sei, porque passei por lá. Que querem que vos diga? Apenas uma coisa. Que estes animais de penas não deviam ter livre-trânsito municipal para arrear o calhau onde lhes aprouver.

Hernâni Matos
Cronista do E, ambientalista e tudo.
(Texto publicado no jornal E nº 195, de 08-03-2018)